terça-feira, 18 de abril de 2023

Vizinho, tô aqui pra reclamar do barulho.

 



Sábado a noite e do outro lado da parede fria do quarto outra história acontece. Milhões de outras possibilidades separadas por 20 centímetros de tijolo. Naquela negritude algo me incomodava: o barulho.

Toquei a campainha e bati a porta de alguém que sequer lembro o nome, embora conheça figuras do outro lado do planeta. Ok, conhecer é muito pretensioso, mas ao menos sei como se chamam. Lá estava ele, cabelos com a cor de últimos dias da juventude, encorpado, vestindo pijamas, rugas na testa e um olhar surpreso.

"O-oi... vizinho, posso ajudar?", parece que o desconhecimento acerca do nome é recíproco.

"Estou aqui para reclamar do barulho", disse em tom levemente agressivo.

Ele revirou os olhos como quem retribuiria a ofensa. Instintos animais se encontrando na fúria de uma afirmação sem resposta.

"Que barulho?", exclamou. "Durante os cinco anos que vocês moram aqui ao lado jamais aumentamos o volume, ou demos uma festa, ou dormimos depois das dez. Que história é essa?!".

Gargalhei. "Exatamente isto. Vizinho, tô aqui pra reclamar do barulho que não escuto há cinco anos".

Jamais ouvi um orgasmo do outro lado da parede ou as conversas de alguém que bebeu além da conta. Me incomoda o barulho que não existe, o silêncio que sugam anos de uma existência que dura poucas décadas. Por favor, quero mais incômodo, quero motivos pra fofoca. Sua quietude está me matando.

Desconcertado, nos despedimos.

Andei cinco passos e então ouvi uma pergunta.

"Qual o seu nome mesmo, vizinho?".