sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

DEUS TEM AIDS | Um texto de Marcio Hasse Albino


Deus contraiu HIV num banheiro público, do sétimo que ejaculou, ou foi do marido do qual Deus é fiel, em sua casa limpa cheiro de lavanda, voltando da missa. Deus contraiu o vírus quando nasceu. Não sabemos.

Deus se sentiu culpado. Se tivesse descoberto outra enfermidade, câncer talvez, teriam tido piedade de Deus e feito campanhas de arrecadação. Não. Deus mereceu ter aids, disseram.

Deus ficou doente. Chorou amargamente enquanto olhava seus sarcomas. Sentiu-se sozinho e abandonado. Definhou numa cama de hospital, cercado por duas camadas de avental. Por vezes, havia uma moça que tocava em Deus em carinho e dizia que tudo ia ficar bem. Estava enfermo demais pra lembrar o nome dela.

Tentaram genocidar Deus em silêncio. Conseguiram. E Deus morreu milhões de vezes, uma vida por vez.

Deus está morto… 

Seu sangue positivo está em nossas mãos.

Ninguém recitou o kadish para Deus em seu funeral.

Deus teve AIDS. Deus tem AIDS. Deus terá AIDS. Vai Deus morrer pra sempre?

Alguns dizem que Deus tomou antirretrovirais e ficou indetectável. Está corado e ganhou peso. Será que Deus vive?

Outros sussurram que está namorando, relacionamento monogâmico. Já eu acredito que Deus ama todas as pessoas, sem exceção.

Há ainda quem diga que Deus enche balões com seu sangue e os arremessa em políticos fascistas. Soroterrorismo.

Será que, o que dizem sobre Deus por aí, é verdade?

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Zemer Atik - Português



עוד נשובה אל ניגון עתיק
,והזמר ייף ויערב
עוד גביע משומר נשיק, נשיק
עליזי עיניים ולבב

טובו, טובו אוהלינו
,כי מחול הפציע
טובו, טובו, אוהלינו
עוד נשובה אל ניגון עתיק

Od nashuva el nigun atik
Vehazemer yif veye'erav
Od gavi'a meshumar nashik, nashik
Alizei einayim velevav.

Tovu, tovu ohalenu
Ki machol hiftzi'a
Tovu, tovu ohalenu
Od nashuva el nigun atik.

Novamente retornamos à antiga melodia
E a canção nos dará prazer
Quando levantarmos nossas taças com um amigo
Com olhos e corações alegres

Como são boas, como são boas as nossas tendas
Pois há danças nelas
Como são boas, como são boas as nossas tendas
Novamente retornaremos à antiga melodia

Pesadelo de 2015

David Alfaro Siqueiros - Collective Suicide - 1936

Havia passado das sete da noite, estava na faculdade. Nostalgia.

Mas não era a minha faculdade, ao menos não no tempo que estudei, era como se estivesse no futuro uns 200 anos, e tudo era mais moderno e ampliado, mais construções, mais verde e muita gente. Muita gente mesmo, falando de assuntos do século XXIII.

Estava sentado em uma mesa, tomando algo como um suco e conversava com alguém, quando ao fundo ouvi vozes de desespero.

"Não pule! Não pule!"

Do quinto andar de um edifício de salas, um garoto lança seu corpo ao chão.

Desta vez, as vozes de desespero tornaram-se gritos.

Mas não foi apenas ele, do lado direito, próximo a mim, outro garoto pula do prédio.

A euforia se instala. Todos correm para lados distintos com medo.

Busco refúgio amedrontado.

O caso isolado logo torna-se a regra, a sensação de nostalgia que até então era tranquila dá lugar para uma música dissonante de piano, as cores começam a desbotar, e o horror passa a imperar.

Um por um, corpos se lançam do topo dos edifícios estudantis.

Um grupo de pessoas, liderados por uma loira com olhar feroz, olham para mim com olhar de desprezo.

Todos vestem blusas pretas e parecem estar maquinando algo.

O vermelho sangue toma conta do verde grama.

Os suicidas gritam palavras imcompreensíveis.

Busco proteção embaixo de um toldo, corpos caem do meu lado.

Posso ouvir os ossos quebrados, o sangue jorrando de pessoas em agonia por não terem morrido com a queda.

Meu coração dispara, acordo as seis da manhã num quarto escuro e frio... com a incerteza de sair da cama e descobrir que isso está acontecendo lá fora.

Efavirenz.