sábado, 17 de março de 2018

Curitiba, março de 2018

 


A leve brisa de outono trouxe consigo ressignificâncias de todas as proporções. Fora neste momento, na capital, famosa por sua gelidez climática e comportamental, que uma voz rouca quebrou o som do vento.

- Eu sou meteorologista.

É claro que não foi assim. Ao menos seria divertido se as primeiras apresentações não estivessem obrigatoriamente associadas com a profissão. Houve uma conversa trivial antes. Mas a licença poética de um casi-sacerdote climático, dado o contexto curitibano, tem lá sua dulia.

- Prepare os casacos, pois a temperatura, não sei se viu, vai realmente chegar a 3 ou 0 graus. Mas será frio com sol a partir de domingo.

- Tenho apenas um poncho listrado. - respondi.

De alguma forma, o percebi afeiçoado, e quis me acompanhar. Seguimos alguns passos até o banco, onde ele ficaria. Senhor, gentil, provavelmente gay. Além dos meus rótulos, alguém que queria conversar. Foi então que senti um leve desconforto na barriga e me despedi.

Foi entrando na rua XV que lembrei a razão de estar aqui, nessa cidade. Luzes douradas nos postes. Pedras gritando história. Pessoas que acreditei ficarem bonitas por estarem vestidas no frio, isso era pura ilusão. Mas ri de mim mesmo. Segui o caminho.

A dor aumentou, mas é preciso levar em consideração a inabilidade em distinguir órgãos. Seria intestino? Rim? Bexiga? Quem mandou ouvir as orientações de autoconsciência da terapeuta? A dor, felizmente, não era a única sensação perceptível. Sabores, aromas e cores de repente puderam abrir a oportunidade para se ressignificar.

Há quem acredite que a dor é um caminho pra entender o prazer. Eu não acredito que é preciso comer brócolis pra gostar de chocolate.

Passos lentos. Respiração suave. Histórias entrelaçando-se pelos pontos cardeais. O sino de uma bicicleta avisa os desatentos. Brilhos de vidro no chão realçam o marketing de uma loja de vestidos de noiva. Pelo vitral de uma porta qualquer, há uma senhora aflita esperando atendimento. Na frenesi diária, inútil. No momento, sutil. Tal como Amélie Poulain criando histórias e personagens para tornar a ausência mais suportável.

Em meio a passos e pensamentos, o portão está a frente. Escadas. Um insight dito em voz. Foi quando a terapia assentou-se no trono da razão, e deu voz ao imperativo vital das sensações e emoções: a dor era apenas a prazerosa e primitiva vontade de...

- Preciso mijar.

 


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